quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Dos mitos : Tríptico dos Barcos (Parte I)

O conto Tríptico dos Barcos , escrito por João de Melo, foi lançado nos anos 90 e tem a intenção de revisitar os acontecimentos e sentimentos da população portuguesa com relação à Guerra Colonial entre portugueses e africanos, com um olhar pós-moderno ou pós-colonial, como podemos dizer. Ele é dividido em três partes : A nuvem no olhar, A culpa e O Esquecimento.

Estudei esse conto no 3º período, em Literatura Portuguesa e apesar de ser um texto cansativo, achei muito interessante. Através dele tomei conhecimento da Revolução dos cravos, um acontecimento que marcou tanto Portugal.

Um tríptico, é geralmente, um conjunto de três pinturas juntas formando uma única imagem. Criada pela Igreja Católica este tipo de imagem representava a Santa Trindade. Aqui temos esse tríptico retratando três pontos de vista , em três épocas diferentes sobre o mesmo assunto.

A guerra Colonial foi um confronto entre Portugal e suas colênias de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, entre 1961 e 1974. Como qualquer potência colonial, Portugal exigia que suas colônias gerassem lucro. Isso significou uma exploração exacerbada sobre os colonizados, estes tiveram de aceitar a imposição de culturas para exportação, como o algodão. Esse problema se agravou com o incentivo à imigração portuguesa. Esses colonos que foram chegando em Angola e moçambique dependiam muito do sistema de trabalho compulsório. Em pleno séc. X, era de se esperar que eles reagissem. E surgiram em Angola e Moçambique, movimentos nacionalistas que se transformaram em ação armada de grupos guerrilheiros, que forçou o Exército português a abandonar sua função policial e empenhar-se numa campanha anti-guerrilha cada vez mais violenta. Nas primeiras fases da luta os efetivos reduzidos e o pouco armamento disponível limitaram-no a uma ação fraca e hesitante.



I– A NUVEM NO OLHAR

A primeira parte do livro tem narrativa em 3ª pessoa contanto o regresso de João Alberto à Portugal. Engenheiro, recém- casado e totalmente avesso aos ideais de seus pais, foi mandado para a África para lutar pelas colônia portuguesas que o regime Salazarista defendia. À sua espera, está Patrícia. Que ficou grávida ao visitá-lo em Angola.


“Nunca pudera imaginar que saudade de Lisboa fosse tão lúcida e ao mesmo tempo tão lancinante na sua alma. A cidade entrara talvez na sua natureza, para a tornar completa e próxima da perfeição. Ia passa r a viver com a necessidade de amar tudo de novo e de forma radical, desde o principio do tempo até ao limite extremo dessa separação, ainda que de outra maneira. Daí em diante, o sentimento saudoso passaria a exprimir-se na presença concreta e não na ausência dos ruídos, dos cheiros característicos e daquelas mil e uma coisas que só em Lisboa parecem tangíveis.” (pág. 95)

“E ouvirão murmúrios que só podem ser ditos ao ouvido, porque as pessoas encheram o tempo do mesmo remorso secreto e inútil.” (pág. 96)

João Alberto é um homem saudoso de sua pátria, mas os horrores da guerra o mudam de tal forma que ele tem receio do que o espera em terra firme. Pensa em todas as perguntas que o farão e que ele não terá resposta, pois a Guerra em si é inexplicável. Até mesmo sua relação com Patrícia é repensada nesses momentos antes de chegar ao porto. Ele não se considera mais capaz de amá-la ou mesmo sentir prazer em sua companhia. E ele deveria guardar essa angústia, pois ele era considerado um herói pela população que não sabia o que acontecia na realidade.Durante uma época de regime ditatorial, o arrependimento ou simplesmente o discordar não é suficiente para mudar as coisas. Não se podia expressar opinião a não ser “ao pé do ouvido”, com quem se confiava muito. A maior parte do povo não sabia o que ocorria na África, recebia apenas as informações de que os soldados estariam defendendo terras portuguesas. E estes ao voltar eram ovacionados , como se fossem heróis. O povo tinha uma nuvem no olhar. Aqueles que se atreviam a questionar o regime sofriam as conseqüências. Muitos estudantes e opositores se viam forçados a abandonar Portugal para escapar da guerra, daprisão e da tortura, pois havia a polícia política, a PIDE.

“− Passarão anos e anos – dissera alguém, com uma sombria voz de profeta – mas nunca mais seremos os mesmos. Vivos por dentro, com o sangue frio – e não mais aqueles rapazinhos imberbes, arregimentados e treinados à pressa para irem fazer a tal guerrazinha menos, onde afinal nunca nada de importante acontecia! Tratava-se, segundo no diziam, de simples operações de polícia, de uma missa de soberania...” (pág. 107)

João Alberto chega a dizer que o país se encontrava “heroicamente de cócoras”, pois os soldados eram mandados para conter uma rebelião, mas quando chegavam lá , encontravam homens fortemente armados, organizados e prontos para tudo. Era uma guerra de verdade. Guerra essa que Portugal não estava conseguindo ganhar e ia gastando
cada vez mais dinheiro para mantê-la. Em outro trecho do livro ele se pergunta “É isso a pátria?” (pág. 111). Os soldados não conheciam a África, não tinham idéia do que iam enfrentar, eram que massacrados e voltavam desolados por toda crueldade e morte que viam, então, aquilo é que era a pátria? E assim João Alberto vai contanto ao leitor sobre fragmentos de granadas, Unimogs e rajadas de metralhadoras, que por puro acaso não o vitimaram.

“Embarquei num poema sobre a nau capitaina que depois se tornou catrineta: nela vivi os mares, os medos, a temeridade, do meu único Alcácer Quibir, talvez mesmo o mais terrível de todos os imensos versos de Fernando Pessoa – mas não sei onde possam estar o sentimento, a inteligência e o orgulho do meu amor por esta patriazinha de fiéis defuntos, pecados confessados e de pronto absolvidos, terra das ideias, dos zelos e mitos políticos dos meus pais.” (pág. 111)

“(...) E o ouvido lhe diz que à juventude compete defender a pátria «contra a agressão que nos é movida do exterior»; e que «defenderemos as nossas províncias ultramarinas até ao limite das nossas forças e até ao sacrifício do ultimo soldado português». É pois um povo neutro: não sabe indignar-se; não o faz para dentro e nem para fora.” (pág. 122)

“«Daqui para a frente» – pensa o alferes – «este e os futuros mutilados de guerra vão ter um país inteiro a virar-lhes a cara e a baixar os olhos. Assistirão ao curso sinuoso dos que mudam de conversa. Serão um peso morto na consciência fria e no silencio dos Portugueses. (...)” (pág. 127)

Estas partes do texto mostram bem claramente a desilusão dos soldados que iam achando estar cumprindo um dever com a pátria e se encontravam perdidos após chegar a seu destino. O autor coloca na voz de João Alberto alusões à nau Capitania, uma réplica da Nau de Pedro Álvares Cabral construída em homenagem aos 500 anos de descobrimento do Brasil. Representando a partida, um momento de honra e alegria para alguns soldados patriótas e a um poema de Almeida Garret, Nau Catrineta , Beseado no episódio sobre num naufráfio. A nau Catrineta foi saqueada por piratas Franceses e foi deixada à devida. Os tripulantes mais fracos ou feridos morreram logo de sede, fome e de doença. O desespero tomou conta dos tripulantes que permaneceram vivos e um deles cheio de fome tentou comer pedaços de carne de um dos que estavam morrendo. Os que ouviram os gemidos de dor do homem correram para ver o que era, alguns para o salvarem, outros para participar e comer também. Ou seja, João Alberto de via à deriva e desesperado. Mas João não era como os soldados comuns, ele era uma espécie de intelectual e sabia que a guerra era inútil, seu desespero era maior ainda, pois quando foi já sabia que não era por uma boa causa. Ele era avesso à guerra e à violência. Achava Portugal um país velho, que tardava a definhar por causa dos delírios patrióticos de gente como seu pai, que apóia o regime Salazarista e financia a guerra.Os homens que voltaram, apesar de serem considerados heróis, tinham que conviver com o desespero, com a agonia interna. Alguns deles voltavam multilados e eram dispensados do exércitos, esses continuariam pagando com seu sacrifício a lealdade à pátria, durante muito tempo. Eles não podiam mais trabalhar pois eram inválidos e o Estado não os valia, os deixava abandonados à própria sorte.



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